Em publicações anteriores, já foi falado da importância dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no planejamento da mobilidade e dos transportes ativos, como a bicicleta. Mas, afinal, o que exatamente são esses ODS e por que eles são importantes dentro das discussões que envolvem planejamento urbano?
Neste texto, iremos explorar um pouco mais deste assunto, desta vez, tentando responder esta questão, compreender e refletir sobre o que exatamente são os ODS e a Agenda 2030 e qual sua influência e usabilidade dentro do planejamento urbano.
– Precedentes: de onde vieram os ODS?
Os ODS tiveram sua origem em 2012, num processo iniciado pela Organização das Nações Unidas (ONU) de substituição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que eram compostos por 8 metas que deveriam ser alcançadas pelas nações até 2015. Os ODM foram de grande relevância para o combate à pobreza em âmbito internacional, mas foram duramente criticados por apresentar diversos problemas em sua estruturação, como a simplificação e quantificação das abordagens ao desenvolvimento das nações, a universalização de soluções que não dialogavam com a diversidade cultural; a falta de perspectiva de gênero; a ausência de análise sobre desigualdade como causa da pobreza, entre outros.
Assim, considerando as falhas, tanto em sua formulação, quanto no fato de diversos países não terem conseguido alcançar tais metas, a ONU iniciou em 2012 o processo de elaboração de novos objetivos e metas comuns para o desenvolvimento mundial, que pudessem ser mais participativos e abrangentes. Essa discussão se iniciou durante a cúpula Rio+20 (Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável).
Nesse contexto foi pensado não somente os ODS mas também a construção de uma nova agenda comum para o desenvolvimento (ambiental, social e econômico) após o ano de 2015. As discussões dessa agenda englobam diversas outras pautas de essencial importância como a ambiental do Rio+20, populações com o Cairo+20, das mulheres e equidade de gênero com Pequim+20, e resultaram na elaboração da chamada Agenda 2030.
– O que é a Agenda 2030?
A Agenda 2030, foi concebida como uma “lista de tarefas” para que as nações alcancem caminhos mais sustentáveis e resilientes em um prazo de 15 anos, ou seja, até o ano de 2030. Além de uma declaração, a Agenda 2030 traz um quadro de resultados, os 17 ODS e 169 metas, bem como instrumentos para promover o acompanhamento e revisão das ações de desenvolvimento que serão implementadas nos próximos 15 anos. Desta forma, podemos entender os ODS como uma das principais ferramentas para se colocar em prática os objetivos da agenda.
Durante as discussões para sua elaboração, foram produzidos relatórios como o Um Milhão de Vozes: o mundo que queremos, que contaram com contribuições da sociedade civil, de líderes, e acadêmicos e cientistas de todo o mundo. A partir dessas múltiplas contribuições, chegou-se a uma proposta que, em setembro de 2015, foi finalmente adotada como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável por 193 países, Estados membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil. É importante lembrar que a adoção agenda não se trata de um compromisso jurídico que obrigue os países a cumpri-la, mas sim um compromisso de cunho diplomático, ético e político, assumido pelos países que à adotam.
As ações previstas na agenda estão relacionadas à cinco áreas de importância (ou 5 Ps) indicadas pela Agenda 2030:
- Pessoas: erradicar a pobreza e a fome de todas as maneiras e garantir a dignidade e a igualdade;
- Prosperidade: garantir vidas prósperas e plenas, em harmonia com a natureza;
- Paz: promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas;
- Parcerias: implementar a agenda por meio de parcerias sólidas; e
- Planeta: proteger os recursos naturais e o clima do nosso planeta para as gerações futuras.
– Mas como isso pode ser aplicado dentro do planejamento urbano?
Tendo em vista o crescente processo de urbanização, sobretudo nos países em desenvolvimento, e os impactos e consequências desse processo (como aumento do desmatamento, efeito estufa, mudanças climáticas, poluição, aumento da desigualdade, entre outros), é possível enxergar como os espaços urbanos têm cada vez mais um papel fundamental no alcance dos ODS, e por consequência, da Agenda 2030. O meio urbano – e em outras palavras, os municípios – são diretamente impactados pelos desafios globais, ao mesmo tempo em que são produto das interrelações sociais responsáveis pela construção das próprias soluções almejadas. Deste modo, os ODS não são somente uma ferramenta importante em nível local mas também se tornam cada vez mais parte do planejamento e gestão sustentável das cidades e um dos pontos mais estratégicos da Agenda 2030.
Assim, para que as políticas públicas de nível local consigam incluir esta agenda em suas pautas, não é necessário que sejam incluídos todos os ODS de forma sistemática. É possível que se faça uma análise das possibilidades de incorporação da Agenda 2030 às respectivas políticas públicas em contextos diferentes, ou seja, uma política pública não precisa incorporar todos os 17 objetivos e 169 metas, mas sim selecionar quais objetivos e metas são mais alinhados e passíveis de mensuração por indicadores.
Um exemplo de aplicação é a identificação e inclusão dos conceitos dos ODS dentro das políticas de âmbito do ordenamento ambiental e urbano, tais como o Código Ambiental, Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei de Parcelamento do Solo Urbano, dentre outras. Como se aplicam diretamente ao planejamento, esses conjuntos normativos tratam de temas identificáveis também nos desafios globais constituintes dos ODS, tais como: redução da pobreza e desigualdade, gestão dos recursos naturais, proteção ambiental etc. Portanto, localizar os ODS compatíveis com essas legislações permite enquadrar o desenvolvimento de ações políticas para além do respaldo legal, endereçando uma agenda voltada ao desenvolvimento sustentável e, principalmente, posicionando a política urbana dos municípios um cenário global de boas práticas.
– Os ODS e os municípios
Embora tenham sido pensados , principalmente no formato de uma agenda global, os ODS compõe uma ferramenta que pode e deve ser adaptada e utilizada em diferentes escalas e níveis, especialmente localmente, através de iniciativas municipais e incluídas dentro do planejamento urbano das cidades. Os ODS tratam de temas cruciais para os municípios e trazem visões de um futuro melhor, mais justo e inclusivo. Eles tem relação com as políticas públicas, tanto no âmbito regional, quanto no local. Para que as metas estabelecidas pelos ODS sejam disseminadas e alcançadas, é preciso que os governos locais atuem a partir de acordos e articulação com outros atores territoriais, para que as ações sejam efetivas e sustentáveis.
Portanto, o sucesso de se atingir a Agenda 2030 depende da capacidade das cidades em relacioná-la à implementação de suas políticas e aos instrumentos de desenvolvimento local. Como exemplo, dentro do município e da política de planejamento urbano, uma política multissetorial, como o Plano Diretor, certamente envolve diversos ODS, sendo possível identificá-los à medida que suas seções se desdobram em ações específicas.
Em resumo, localizar a Agenda 2030 e os ODS dentro da política de planejamento urbano e dentro das demais políticas municipais não implica simplesmente uma tradução direta das políticas globais dentro dos contextos locais. Pelo contrário, implica em fomentar um processo baseado na capacitação e articulação dos atores locais, dirigido a alcançar o desenvolvimento sustentável, por meio de ações relevantes para a população local, de acordo com as suas necessidades e aspirações.
– E como podemos acompanhar?
Ao chegar até aqui, ficou clara a importância dos ODS e da Agenda 2030 para os municípios e planejamento urbano, porém, como podemos saber quais índices são esses, e se o município em que moramos está de fato comprometido com essa agenda de que forma ele os cumpre?
Pois bem, atualmente existem diversas iniciativas interessantes, que tem o objetivo de aproximar e tornar a utilização dos ODS mais próximas dos cidadãos, e de fato tornar os ODS e seus indicadores uma ferramenta de fácil utilização e acompanhamento. Essas iniciativas vão desde acompanhamento ou divulgação dos ODS e da Agenda 2030, divulgação e comparação dos resultados de forma territorializada por municípios e Estados, disponibilização de dados abertos, entre outras informações. Duas iniciativas interessantes que valem ser acompanhadas são a coalizão Estratégia ODS e o Observatório de Políticas Públicas, que oferecem tanto material educativo, quanto ferramentas de acompanhamento e divulgação das ações municipais quanto aos ODS.
Outro exemplo é o site ODS Brasil, realizado principalmente pelo IBGE, que apresenta uma série de dados e indicadores setorizados por ODS e mostra como anda o cumprimento destas metas no Brasil e por estados e municípios. O site é bastante interativo e é possível ver, numa lista meta-a-meta, quais vem sendo cumpridas ou não pelo país.
Outra fonte de informação para acompanhamento da agenda é o site do Programa Cidades Sustentáveis (PCS). No site do programa é possível encontrar ferramentas que incluem um conjunto de 260 indicadores relacionados às diversas áreas da administração pública, um painel de monitoramento para o Plano de Metas e um software que permite a comparação de dados e informações entre as cidades. O PCS também oferece um banco de boas práticas com casos exemplares de políticas públicas no Brasil e no mundo, além de oferecer uma plataforma com mapa interativo e opção de comparação entre diferentes municípios.
Estes são apenas alguns exemplos de como a Agenda 2030 e os ODS podem ser localizados, incluídos e utilizados na escala local, para o planejamento urbano sustentável e pelas pessoas que vivem nas cidades. Por serem os Municípios o lugar onde as políticas públicas acontecem e onde as oportunidades e os desafios da articulação das dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento são mais palpáveis, é muito importante a apropriação e utilização destes por toda a comunidade!
Em textos futuros vamos nos aprofundar mais um pouco neste tema, para entender o que é a Nova Agenda Urbana e como ela se relaciona com a agenda 2030, os ODS e o direito à cidade e trazer alguns exemplos práticos que ocorrem em escala local. Até lá!