Os modos ativos de transporte são aqueles em que as pessoas utilizam o próprio corpo para se colocar movimento, como andar, pedalar, patinar etc. Eles trazem diversos ganhos a sociedade, entre os principais benefícios temos os ambientais e os de saúde. Como dissemos no texto publicado na terça-feira (08/06/2021), hoje vamos retratar quais benefícios o seu uso traz para o meio urbano e as pessoas, focando no uso da bicicleta.
A não emissão de gases do efeito estufa e outros poluentes são os mais lembrados dentro dos diversos benefícios de usar a bicicleta para se deslocar. Ao deixar de gerar emissões gasosas, o usuário da bicicleta traz melhorias na qualidade do ar e com mais pessoas utilizando a bicicleta é esperado uma redução de doenças respiratórias causadas por esses poluentes.
Se quem utiliza a bicicleta pode gerar externalidades positivas indiretas na saúde de outras pessoas, esse também terá externalidades positivas diretas em sua própria. A bicicleta é uma ótima maneira de prática de exercício cardiorrespiratório, quem a utiliza tem menores chances com problemas relacionados ao coração e de pressão arterial, além de ajudar a controlar doenças como diabetes tipo 2 , câncer, redução de sintomas de depressão e ansiedade, redução do declínio cognitivo e auxilia na melhora da memória e impulsiona a saúde do cérebro. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda diferentes tempos de atividades físicas, para adultos o recomendado é de 2,5 a 5 horas de atividades por semana, enquanto crianças e adolescentes a média recomendada é de 7 horas por semana.
Para o poder público é um veículo que exige investimentos menores e as manutenções têm frequências reduzidas, quando comparado aos veículos motorizados. O metro quadro para implantar uma via para veículos motorizados chega a ser de três a cinco vezes mais caro em relação a uma via exclusiva para bicicletas. Muitos deslocamentos urbanos estão em faixas de 2 a 7 quilômetros, essa é uma distância em que as bicicletas, em grande parte das vezes, levam vantagem em cima dos motorizados, conseguindo se deslocar em um tempo menor.
Outra externalidade positiva associada ao seu uso está na diminuição de acidentes e seus custos, aqui não iremos entrar na discussão da vulnerabilidade do ciclista no trânsito brasileiro, que infelizmente ainda é muito grande. Os benefícios são diversos para o poder público, para quem não utiliza e para quem utiliza, mesmo assim a bicicleta ainda cumpre um pequeno papel no percentual de deslocamentos.
Esses e outros benefícios do uso da bicicleta estão associados de maneiras variadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS, do inglês sustainable development goals – SDG), e é de suma importância para governos e gestores preocupados com esta agenda, pensar em formas de incluir o uso da bicicleta dentro de suas políticas de planejamento urbano, mobilidade, entre outras. Os ODS foram elaborados em 2015, numa parceria entre os países participantes da ONU. Ao todo, são 17 objetivos, que visam à redução da pobreza, ao combate às mudanças climáticas, ao cuidado com o meio ambiente e à promoção do bem-estar. Os ODS também incluem diversas ações e indicadores que podem ser adaptados à diferentes escalas territoriais e realidades, sendo uma importante e robusta ferramenta na busca de um mundo mais justo, humano e sustentável.
A mobilidade urbana de forma geral, está presente de forma transversal dentro dos 17 ODS, sendo o transporte ativo e o uso da bicicleta um componente importante para o cumprimento destas metas. Assim, a bicicleta entrou como forte vetor para atingir os ODS da ONU, espera-se que através do aumento de seu uso sejam cumpridos diretamente pelo menos 11 dos 17 objetivos globais.
Segundo a União de Ciclistas do Brasil (UCB), a promoção de políticas públicas para a bicicleta e o uso deste modo de transporte têm impacto direto e indireto nos 17 ODS. O objetivo mais comumente associado à mobilidade urbana e ao uso da bicicleta, certamente é o 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis: Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Baseado neste objetivo, podemos o uso da bicicleta à promoção de políticas públicas de combate às mudanças climáticas. O contato social, a ocupação dos espaços públicos e fortalecimento do desenvolvimento econômico local promovidos pela bicicleta criam comunidades mais eficientes, compactas e sustentáveis, além de ajudar a diminuir o uso de transportes individuais motorizados, auxiliando na redução dos níveis de poluição do ar.
Seguindo esta linha, o uso das bicicletas também está diretamente associado ao ODS 3 – Saúde de qualidade – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Segundo o relatório “Mobilidade Urbana e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável CNM (Confederação Nacional de Municípios) e dados da OMS de 2014, no Brasil, 44% das mortes era causadas por doenças cardiovasculares, respiratórias, cânceres, diabetes e resultantes do sedentarismo e sobrepeso. Além disso, a mudança na matriz de transporte e o incentivo ao uso de bicicletas contribui consideravelmente para a redução dos acidentes de trânsito, reduzindo custos e impactos sociais, econômicos e políticos dos atropelamentos, com ou sem vítimas fatais O incentivo ao uso de bicicleta contribui para a redução destas estatísticas, impactando positivamente na saúde pública, gerando menos gastos públicos e melhorando a qualidade de vida de toda a população gerando benefícios para a saúde de quem pedala e para a cidade como um todo.
Além disso, por se tratar de um meio de transporte ativo, a bicicleta é considerada um meio de transporte extremamente eficiente quanto ao consumo de energia, se levar-se em consideração a energia gasta por uma pessoa para percorrê-las. Em geral, o setor de transportes consome aproximadamente 30% da energia gerada no mundo, deste modo integração entre bicicleta transporte público coletivo, aumentaria o seu raio de ação e melhoraria sua eficiência, otimizando a relação gasto energético (combustível) por passageiro transportado. Essa questão está diretamente relacionada ao ODS 7 – Energias renováveis – Garantir acesso à energia barata, confiável, sendo essencial o incentivo e financiamento de políticas públicas voltadas para a utilização do transporte ativo (bicicleta e pedonal), que melhorem a acessibilidade aos serviços públicos, promovam a mudança da matriz energética, controle das emissões, e melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Essa maior eficiência também se reflete nos deslocamentos pela cidade, diminuindo a dependência de grandes espaços viários destinados ao deslocamento de pessoas em automóveis, facilitando que os governos construam infraestruturas resilientes e invistam em sistemas de transportes sustentáveis, estimulando o desenvolvimento econômico e o bem-estar, promovendo a acessibilidade e equidade de acesso para todos. Este ponto está intimamente ligado ao ODS 9 – Inovação e Infraestrutura – Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.
Outros ODS também são contemplados pelo uso da bicicleta de forma menos explícitas ou diretas. Ciclistas tendem a consumir mais nos comércios próximos e são grandes aliados dos pequenos comerciantes, auxiliando na promoção do crescimento econômico sustentável. Além disso, a prática do ciclismo urbano traz consigo uma maior preocupação com o que consomem e geram de resíduos. A bicicleta promove a reflexão sobre os hábitos de vida e o rompimento com o consumo irresponsável. Deste modo o incentivo do uso de bicicletas está associado também ao ODS 8 – Empregos dignos e crescimento econômico – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos e ao ODS 12 – Consumo Responsável – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Também é importante ressaltar que a vida útil da bicicleta e seus componentes é bem longa, além de atualmente já existirem opções ainda mais sustentáveis, como as bicicletas de papelão e bambu, que têm um impacto ambiental bastante reduzidos.
Por fim, o incentivo ao uso de bicicletas também está relacionado à promoção da igualdade de gênero e do surgimento e fortalecimento de grupos e ações que promovam os ODS como um todo (relacionados aos ODS 5 – Igualdade de Gênero – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas e ODS 17 – Parcerias Pelas Metas – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável). Diversos exemplos são possíveis de serem citados. Historicamente, as cidades são pensadas e construídas por homens, para homens e seus automóveis. A crescente utilização de bicicletas nas cidades e o surgimento de diversos grupos feministas ligados à mobilidade (como as Ciclanas em Fortaleza, Pedalinas em São Paulo e o FoMMA – Fórum Nacional de Mulheres pela Equidade de Gênero na Mobilidade Ativa), traz ao debate não somente a questão da mobilidade e de meios mais sustentáveis de locomoção, mas também o olhar deste público para o planejamento da mobilidade e da cidade. Outros exemplos como as redes Mobilize e Vá de Bike mostram como a sociedade civil pode se organizar em prol da promoção do uso da bicicleta nos centros urbanos, além de estimula e propagar a participação popular no planejamento, desenvolvimento, execução e monitoramento das políticas públicas e gerar inúmeros dados que subsidiam a implantação e avaliação destas políticas.
Estes são apenas alguns exemplos de como a utilização da bicicleta é uma importante aliada para o alcance dos Objetivos do desenvolvimento Sustentável e para as Metas da Agenda 2030. A bicicleta pode ajudar a atingir através do seu uso, pois é um dos transportes mais democráticos para utilização, já que não tem restrição de idade, não é necessário habilitação ou documentações para usá-la e é possível encontrar bicicletas com preços baixos no mercado. Através dela é possível acessar a cidade de diversas formas: trabalho, educação, comércio, lazer etc. Pode ser utilizada como transporte de carga para pequenos produtores, assim como ferramenta de trabalho nas mais diversas formas, como falamos nos parágrafos anteriores, seu uso promove o bem-estar na saúde do usuário. Serve de ferramenta para alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e garotas (e isso melhora quando mais infraestruturas para seu uso torna os deslocamentos mais seguros). A energia para movimentá-la vem da própria pessoa, garantindo um uso de energia limpa e sem emissões de poluentes, principalmente gases do efeito estufa. As ruas ficam mais seguras, com a diminuição de acidentes graves ou fatais e aumento da segurança, uma vez que a velocidade é mais compatível com a do pedestre, permitindo uma interação mais fácil entre as pessoas. Deste modo, o uso da bicicleta não traz apenas benefícios ao indivíduo que o pratica, devendo ser pensado e incluído no planejamento urbano como um meio de tornar as cidades mais justas, humanas e sustentáveis.
Texto escrito por Carolina Horta e Paulo Silva